A MATAÇÃO
II - A MORTE DO PORCO
Manhã cedo, os convidados dirigem-se para a casa da matação, onde são recebidos festivamente, com oferta de bebidas e de bolos. Logo tomam o café ou uma refeição ligeira. É o começo da festa, que se prolonga por todo o dia.
Feitos os preparativos, para que nada falte no momento preciso, como a colocação do banco do sacrifício, fora de casa, nas proximidades da porta da loja, o alguidar de barro para aparar o sangue, a colher de pau, para o mexer, um punhado de sal e um pouco de vinagre para que não coalhe, a sangradeira ou faca para picar o coração do animal, a carqueja e a palha para chamuscar ou queimar as cerdas e a parte superficial da pele (actualmente, usa-se mais o maçarico a gás), as navalhas e os pedaços de telhas ou pedras para a limpeza de pele, depois da queima dos pelos, a água para a lavagem, a linha e a agulha para coserem o corte causado pela faca, o cordel para atarem a tripa cagueira e o chambaril, pau curvo de oliveira ou medronheiro, com chanfro nas pontas desbastadas, para dependurar o animal, os homens vão buscar o porco à furda, que esteve umas semanas a ser cevado, comendo, além da vianda normal, algumas rações de milho. No último dia de vida, o porco pouco deve comer, para as tripas estarem limpas, o mais possível. Dão-lhe comida só para entreter.
“Corricho! Corricho!”, chama o dono saltando para a furda, tentando prender o animal, com uma corda, por uma pata ou pelo pescoço.
O porco é chamado por “Corricho”, Quiá” e “Coche”, com muito carinho, pelo reconhecimento da sua importância na economia familiar.
O porco, desconfiado, olha de través e lança grunhidos, como que a adivinhar o que lhe vai suceder. Dizem os casaleiros que os porcos sabem quando vão morrer. Por isso, recusam-se a sair da furda.
Com mais ou menos custo e esforço, o porco é levado para o banco, entre risotas e ditos brejeiros. Atados o focinho e as patas, para evitar mordidelas ou sapatadas incomodativas, o animal, sempre a grunhir, é imobilizado sobre o banco. Os homens distribuem-se em redor do banco, segurando o porco para o sacrifício.
O matador lava o local onde vai enterra a lâmina da faca, por vezes, faz o sinal da cruz, e espeta a faca, entre as pernas dianteiras do animal, abaixo da papada, no direcção do coração. É necessária alguma perícia para que o animal morra rapidamente e não fique a sofrer e a resfolgar, quando a lâmina não vai certeira.
O porco, no altar do sacrifício, agita-se violentamente e solta grunhidos de aflição, sob a força dos homens. O sangue esguicha para o alguidar, onde estão o sal e o vinagre, conforme as contracções do animal, e a mulher vai mexendo sempre para que não coagule.
O porco é sempre sacrificado por um homem e o sangue é sempre recolhido por uma mulher. Estamos, por certo, perante sobrevivências de efectiva divisão sexual do trabalho, com tarefas próprias de cada sexo. Ao homem pertenciam as tarefas mais pesadas e longínquas da casa, como o abate de árvores e a caça de animais de grande porte. À mulher cabiam as tarefas mais leves e próximas da habitação, como apanha e a colheita de frutos, de ervas e a caça de animais pequenos, facto que tem a ver com os cuidados a ter com a criação dos filhos.
As ciências sociais e humanas não descuram este facto da simbologia sexual do trabalho. O homem faz penetrar a faca de matar porcos, símbolo fálico, na direcção do coração do animal, para que o sangue jorre e seja recebido pela mulher, no alguidar, símbolo sexual feminino. Faca como instrumento de trabalho do homem; alguidar como utensílio doméstico da mulher. Definidos sexualmente.
Depois dos derradeiros estertores e cosida a abertura provocada pela faca, o porco é chamuscado com paveias de carqueja ou de palha em chama e logo raspado com pedras e pedaços de telha, para ser retirada a parte superficial da pele, que empolou. As unhas são retiradas, depois de bem aquecidas, e metidas na algibeira de alguém que esteja descuidado, normalmente uma pessoa novata, para risada geral, quando esta der pelo facto. Bem lavado, por vezes com água quente, o porco é submetido à operação de barbear: corte dos pelos e das cerdas, com navalhas afiadas.
Chamuscado, barbeado e lavado, o porco é preparado para ser dependurado, normalmente na loja, no rés-do chão da habitação. É feito um corte a circundar o ânus, a tripa (chamada cagueira) é atada com um cordel e recolhida, por pressão, no interior do animal. Nas patas traseiras, são feitos dois cortes opostos, para descobrir os tendões, onde são enfiadas as pontas chanfradas do chambaril, para suspensão da carcaça do porco. O animal é transportado a braços para a loja e dependurado, com o chambaril atado num caibro, numa sonave ou num gancho fixado no tecto
Os convidados para a matação tomam a primeira refeição.
O dono vai prender o porco por uma perna, para ser levado para o local da morte.
O porco é arrastado para o local da morte; adivinha o sacrifício e oferece resistência.
Com o porco seguro, no banco, o matador arregaça a manga para o trabalho.
O matador aponta a faca no local prório para a lâmina atingir o coração.
O porco sangra e o sangue cai para um alguidar; uma mulher vai mexendo.
O porco sangra, mulher mexe o sangue.
A mulher continua a mexer o sangue.
O sangue corre aos poucos.
O sangue ainda pinga.
As última gotas de sangue caiem no alguidar.
As cerdas e os pelos do porco são queimados com carqueja a arder.
Ultimação da queima geral dos pelos e cerdas.
Enquanto um homem chamusca as unhas para retirar o casco, a quente, outro limpa as orelhas.
Depois de queimadas as cerdas e os pelos, a pele do porco é raspada com pedaços de telhas e pedras, para limpeza.
Limpa a pele do porco, é feita a barba, cortando todos restos de pelos, rente à pele, sendo então, lavado com água.
Lavado o porco, é feito um corte em volta do ânus, para soltar a
tripa cagueira (recto) que é atada no extremo, para não se libertarem excrementos, a metida na carcassa pelo orifício feito pelo corte, o que está a ser feito na fotografia.